Artigo escrito pelo Dr. Cícero Ahrends e coautoria do Dr. Cláudio Jaeger Sirangelo O imóvel destinado a moradia da família (bem de família), como regra, é impenhorável por dívidas civis, trabalhistas, previdenciárias, fiscais ou de outra natureza, conforme disciplina o art. 1º da Lei 8.009/90. A fiança locatícia constitui uma das exceções à rega geral da impenhorabilidade e está prevista no art. 3º, VII, da Lei, inciso inserido pela lei 8.245/91. Desde sua inclusão ao texto legal, sua constitucionalidade passou a ser questionada nos tribunais. Primeiramente, a luz do princípio da isonomia, uma vez que o locatário -beneficiário direto e efetivo da locação – gozava da proteção legal, enquanto o fiador, mero garantidor, não contaria com tal salvaguarda, podendo vir a perder seu único bem destinado à moradia familiar. Posteriormente, quando a Emenda Constitucional nº 26/2000, alçou à categoria de direito à moradia à categoria de direito fundamental, a tese da inconstitucionalidade ganhou reforço argumentativo. Prosseguindo na cronologia, no ano de 2010, com o julgamento do RE 612.360/SP, em regime de repercussão geral, o STF decidiu que a exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei do Bem de Família não era inconstitucional. Esta decisão representou passo importante à previsibilidade das relações locatícias, garantindo segurança jurídica aos agentes econômicos na tomada de suas decisões. Nos últimos anos, no entanto, ministros e órgãos da Corte Suprema passaram a considerar inconstitucional a penhora do único imóvel do fiador em locação não residencial, sustentando que o precedente vinculante antes referido teria como suporte fático hipótese de locação residencial, de modo que não vincularia os casos de locações comerciais (RE 605.709/SP, 12.06.2018). Ainda que estes julgados tivessem eficácia restrita ao respectivos casos particulares, já indicava possível mudança de orientação do órgão máximo do Poder Judiciário. Mais recentemente, no ano corrente, durante a tramitação do RE 1.307.334/SP em que se alega a inconstitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei 8.009/91 em caso de locação não residencial, houve o reconhecimento da repercussão geral e o recurso está prestes a ser julgado pelo STF. E, na última sexta-feira, dia 14, a Procuradoria Geral da República protocolou parecer opinando pela fixação da seguinte tese: ‘É impenhorável o bem de família de fiador em contrato de locação comercial, tendo em conta a prevalência do direito à moradia frente aos princípios da autonomia contratual e da livre iniciativa, salvo no caso de fiança onerosa.’ Sem entrar no mérito da questão de fundo sub judice, o fato é que o tema possui enorme relevância ao mercado imobiliário e aos operadores do direito das locações, sob diversos enfoques, dado que a fiança é o tipo de garantia mais utilizado nos contratos de locação. Como a decisão terá eficácia vinculante (ou seja, obrigatória), eventual acolhimento da tese proposta pela PGR ou outra similar que decida pela impenhorabilidade, afetará frontalmente a higidez das garantias prestadas em sem número de contratos de locação não residencial em vigor, já que desde a tese fixada no tema 295, a maioria dos locadores vem exigindo dos fiadores a prova de propriedade de apenas um bem imóvel. Assim, para que a fiança não se torne evidentemente inócua, certamente buscarão incrementar novas formas de garantias ao contrato, ou então, exigir a prova de propriedade de ao menos dois imóveis, pretensões que se mostram justas e razoáveis, pois visa a manutenção das condições originais contratadas (existência de garantias efetivas e eficazes), suprimidas pela novo posicionamento do STF, se for o caso. Na hipótese acima aventada, prevê-se uma verdadeira enxurrada de renegociações contratuais e, possivelmente, forte demanda junto ao Judiciário naqueles casos em que os locatários não se mostrarem sensíveis, seja para fins de força-los a fornecer novas garantias ou complementá-las, seja para buscar a rescisão contratual por inadimplemento, dada a ausência real e efetiva de garantias. De outro lado, a depender da modulação dos efeitos pelo STF, a decisão poderá atingir execuções judiciais em andamento e em fase avançada – até mesmo em que já há penhora do único imóvel do fiador, quiçá sua expropriação – situações em que sequer haveria possibilidade jurídica de postular incremento da garantia devido à rescisão prévia do contrato de locação. Nestas situações, os credores poderão ser enormemente prejudicados ao verem frustradas suas execuções devido à inexistência de outros bens livres a cobrir os débitos. Neste aspecto, espera-se que o Supremo Tribunal Federal aja com prudência e privilegie a segurança jurídica e a confiança que lhe foi depositada pelos agentes econômicos, a partir dos seus precedentes vinculantes, de modo a não penalizar os credores injustamente. O certo é que a comunidade jurídica e o mercado imobiliário aguardam com apreensão a decisão que a Corte Maior tomará, não apenas sobre tese jurídica, mas também sobre a temporalidade da sua eficácia, em caso de acolhimento da tese de impenhorabilidade do único imóvel do fiador em locação não residencial.