Alteração do IGP-M ou IGP-DI pelo IPCA nos contratos de locação empresariais.
Milhares de demandas têm sido ajuizadas em todo o País buscando a alteração do índice de reajuste de alugueis contratado do pacto locatício, geralmente para o IPCA ou IPC, em razão do aumento expressivo do IGP-M (ou IGP-DI), índices tradicionalmente utilizados nas locações, desde o ano de 2020.
Na maioria dos casos, invoca-se o art. 317 do CC, que autoriza a revisão judicial quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, e o art. 478, do CC, que autoriza o devedor pedir a resolução do contrato, evitável pelo credor segundo o art. 479, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
Sem adentar no exame de todos elementos que compõem os precitados dispositivos, o elemento comum a ambos é o fato imprevisível. Contudo, a série histórica do IGP-M indica que este índice acumulou alta de 19,99%, no ano de 1999, e de 26,41%, em 2002, neste último, superando a variação do ano passado, 23,13%. Além disso, comparando as séries históricas do IGP-M e IPCA, entre 2009 e 2017, este teve variação positiva acumulada superior àquele. Inclusive, em alguns anos, o IGP[1] foi negativo, enquanto a variação do IPCA foi positiva[2].
Tais circunstâncias permitem rebater a alegação de imprevisibilidade do fato, assim como sugerir algum grau de oportunismo no pleito de substituição do índice inflacionário.
De outro lado, a análise dos pedidos de alterações de índices de reajuste não pode ignorar as regras e princípios que incidem sobre os contratos empresariais.
Com efeito, a Lei nº 13.874 (Lei da Liberdade Econômica), editada em 2019, elencou inúmeros direitos e inseriu princípios ao ordenamento jurídico brasileiro, alterando o Código Civil para reforçar a importância ao respeito da autonomia das partes nas negociações privadas e limitar a intervenção estatal, garantindo a excepcionalidade da revisão contratual em contratos paritários e empresariais.
Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção (Art. 421-A, Código Civil). O inc. III dispõe que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.
Já no caso específico de Shopping Centers, que representa parcela significativa do universo das ações revisionais de índices inflacionários, além de regidos pelos normativos acima referidos, já se havia previsão legislativa conferindo ampla prevalência à autonomia privada, como se infere do art. 54 da Lei do Inquilinato, segundo o qual “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação (…).”
Ademais, os contratos em shopping center configuram o que se denomina redes de contratos, consistentes em um “conjunto de vários contratos bilaterais, normalmente mantidos entre um líder e outras empresas, de forma que estas não mantém relação contratual entre si”, mas “com intensa colaboração entre as partes, normalmente catalisada pelo líder da rede e por sistemas de governança” e apresenta “interdependência econômica entre os membros da rede”, nos precisos ensinamentos da civilista Paula Forgioni.
O enfrentamento do tema, portanto, não pode ser feita de maneira descontextualizada. Tratando-se de contratos empresariais paritários, celebrados entre empresas e, em especial pertencentes à categoria dos contratos em rede, como no caso de shopping centers, a intervenção judicial deve ser vista ainda com maior cautela ante os reflexos que suas decisões podem causar à harmonia do conjunto.
Por tais razões, imperiosa a análise, caso a caso, dos elementos essenciais dos institutos jurídicos que albergam a revisão dos contratos, observando seus contornos contratuais próprios e as demais normas incidentes, não havendo solução genérica passível de ser aplicada, uniformemente, a toda locação não residencial.
[1] http://www.yahii.com.br/igpdi.html
[2]https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/precos-e-custos/9256-indice-nacional-de-precos-ao-consumidor-amplo.html?edicao=30240&t=destaques